Choro nº 2 [da ordem das orações]
véspera: lê os mistérios em voz alta
(cartografia cordial)
víscera: os olhos mareiam tautócronos
(futurologia alvina)
víspora: o canto dos números
(acorde de três sons)
amarração de nós, amém!
Desvão
canto mais canto recanto
pra onde cê volta
celta, revolta, escanteio
rola trôpega pedra
remanso imensa mansidão
de rio de dadá foz
delírio, de letra decanto
é canto de novo, refrão
ou é desencanto, corrente alternada
não pia, impuro, feitiço desfeito
certa geometria desemparelhada
simples comissura, silêncio
na esfera do reino distante
a dobra da voz dinamite
abarca acalanto demente
é canto de novo, refrão
se aquele momento não é mais presente
então tal recanto já é desencanto
o canto de novo é refrão
Inclassificável
assim sendo, sigo colecionando o silêncio
manifesto no intervalo entre uma palavra
e outra.
Lava
aquele miocárdio dança quando as
palavras certas são cozidas em vapor e
despertam agridoces na boca, alheias,
movendo o rugido grave à tona:
o oco, de profundezas…
Rum(in)o
na horta
sem prévio aviso
naquela de um dois
deixa nada pra depois
assim improviso
na hora
cadernos vãos em branco
não desbasto mais palavra
tanto.
Humberto Pio nasceu em Mantena, nas Minas Gerais, no ano de 1972. Desde menino desenha e escreve. Adulto, mudou-se para a cidade de São Paulo e se fez arquiteto, sem abandonar o poeta. Em 2006, criou o blog Ruminessências, pasto da memória que forneceu textos para a antologia Transitivos (Off Produções Culturais, 2011), apoiada pelo Proac-SP 2010. Vencedor do Prêmio Maraã de Poesia 2018 com o livro Coágulo (Editora Reformatório, 2019).